20.5.06

Mitos Infantis III

Às duas espécies de mitos infantis previamente identificadas (aqui e aqui), pode-se acrescentar uma terceira espécie: a espécie “ainda não tenho os neurónios todos por isso estou sempre a ser ludibriado”. Todos nós fomos vítimas desta espécie.

Quando entrei para a primeira classe, disseram-me que havia um miúdo morto numa poça de água no recreio. E eu acreditei. Durante uma semana inteira. Acho que só comecei a desconfiar quando passou a época das chuvas e a poça secou.

Porque não desconfiei antes já que os professores da escola não tomavam medidas e nem sequer comentavam uma situação desta gravidade? É preciso ver que ir para a 1ª classe era como entrar numa terra sem lei em que os miúdos mais velhos nos podiam bater quando quisessem e, dizia-se, havia sempre uma dezena de ciganos à espera que passássemos os portões da escola para nos roubarem o relógio. Era cada pequenino por si! Por isso é que estávamos sempre a correr de um lado para o outro sem motivo aparente. Estávamos a praticar a nossa velocidade.

No entanto, tudo era esquecido quando acabava o recreio e entrávamos dentro da sala de aula; solo sagrado onde voltávamos a acreditar piamente na professora.A Sra. Professora dizia-nos para passarmos horas intermináveis a picotar um papel em cima de uma esponja e nós, maravilhados, cumpríamos a tarefa de bom grado. Fazia-nos esquecer a manhã exaustiva de volta das contas de somar. “Quando for grande eu quero ser picotador” diziam alguns alunos cheios de orgulho. “Sinto que a minha formação como pessoa é mais completa desde que iniciámos as aulas de picotagem” diziam outros (talvez).

E, olhando para trás, posso dizer com segurança que os meus companheiros que mais subiram na vida foram os que, em vez de irem para o recreio no intervalo, pediam à professora para continuarem na sala a praticar a arte cheia de significado que é a picotagem. Hoje, alguns são mesmo professores primários.


"Já temos os dentes todos. Agora estamos à espera que nos nasçam os neurónios".

6 comentários:

Fixemobil disse...

Ah que belos momentos a picotar! Não tive a aptidão suficiente para ser um picotador profissional, nem sequer um professor primário. Mas que bom uso aquelo pico teria hoje em dia nos nossos empregos... Que belo efeito teria nas caras nos nossos colegas e chefes!

K1111 disse...

Consigo ouvir ainda hoje aquele barulhinho do pico no papel...tac tac tac...ah que saudades dos meus morangos picotados ou das formas geométricas com bocados a menos onde o pico desliza. Na minha escola havia a estupida historia do menino que tinha caido escadas abaixo e cujo fantasma por ali passeava. Isto porque não convinha às continuas que um de nós caisse realmente e se matasse a deslizar plo corrimão fora durante dois andares como se de um escorrega se tratasse.

Anónimo disse...

Este rapazola novo, o Tiago, escreve umas coisas com a sua graça. Têm que arranjar mais gente desta aqui para o GM, que nós "os leitores" já não podemos mais com aquele "Mateus".

Anónimo disse...

Qual "Mateus" ? O Rosé ?

J. Salinas disse...

Ainda tenho o meu material de picotar. O pico uso no metro (para ganhar espaço) e a esponja uso no banho.

Anónimo disse...

E por falar nisso, "então não se escreva mais, não?"