Quando era pequeno o meu pai dizia-me: "Se te perguntarem de que clube és, dizes que és do Benfica como o teu pai.". E era o que eu fazia! Sem nunca ter pago cotas, ouvido relatos ou visto jogos, eu era do Benfica! (Não tenho a certeza que de facto isto aconteceu, podendo apenas ser uma memória construída)
No recreio da escola, nunca tive grande vontade de jogar à bola, mas como precisavam de mim para fazer número, e sob coacção, lá dava uns pontapés na bola e em quem estivesse com ela. Depressa perceberam que eu não era capaz de correr e chutar ao mesmo tempo, daí a minha mudança de posição. Passei a ser guarda-redes, o que era óptimo, pois não tinha de correr nem chutar muito. A minha função era simplesmente desviar-me dos pujantes remates, e assim assegurar a minha integridade física e a popularidade do autor do remate. Geralmente o autor destes remates era um repetente burro, com uns anos a mais do que todos nós, e que era o rei do recreio, mandando assim nos jogos e no árbito (era portanto, uma espécie de Pinto da Costa).
Outro factor que contribuíu para a minha aversão ao futebol, foi o canal dois (lembro aos mais jovens, que nos anos oitenta apenas existiam dois canais. Sim dois!). Eu nunca consegui sintonizar bem o canal dois, ou seja, vi sempre o "Agora Escolha", "Os Soldados da Fortuna" (é aqui que se nota o generation gap, "Esquadrão Classe A" para os pirralhos), o "Bocas", e o "Tom Sawyer"com ruído e chuva televisiva. E que tem isto a ver com futebol? Pois bem, só quando havia "jogo" é o meu pai subia ao telhado e ajustava a antena (sim crianças, usavam-se antenas), para que o canal dois se visse bem. E como ao sintonizar bem o canal dois, o canal um ficava mal, lá ia o meu pai por a antena no sítio, quando acabava o jogo.
Mas o dia em que deixei de gostar de futebol, foi aquele em que o Veloso falhou uma grande penalidade (não sei se é assim que se denomina a coisa) na taça dos campeões europeus (ou algo assim do género) nos meados dos anos oitenta (também não sei precisar a data). Eu tinha feito uma bandeira do Benfica e tudo. Mas de nada me valeu... senti o amargo sabor da derrota a invadir-me as entranhas. Queimei a bandeira e nunca mais vi futebol. Quero dizer... nunca mais vi futebol, voluntariamente.
O futebol invadiu a minha vida de novo, nas aulas de educação física, no secundário. E foi um suplício! As mentes dos professores de educação física, não estão preparadas para aceitar o facto que existem rapazes que não gostam de futebol, e que não são "daqueles". Resultado, fui jogar para uma equipa de raparigas. Lá era bom jogador, e até marquei um golo! Mas foi anulado, porque eu estava "fora de jogo". Como achei que isso queria dizer que eu estava expulso, fui-me embora.
Há ainda outra coisa que me irrita solenemente. Aquelas pessoas que não são adeptos do jogo, mas quando a selecção joga, vibram como se não houvesse amanhã. Deixem-me dizer que odeioessa gente , mais do que tudo. Pior do que gostar ou não de futebol, pertencer ou não a um clube, é ser apenas da selecção.
Por vezes penso no que seria a minha vida hoje, se o Veloso tivesse marcado. Seria eu um daqueles apoiantes da selecção? Ou então um adepto ferrenho do Benfica? Ou teria eu um penteado à Beckam? Seja qual for a hipótese, obrigado Veloso!