29.11.05

O pequeno submarino morreu

Eu e um companheiro da estrada de longa data, participamos no concurso do Oceanário. O prémio que se podia ganhar eram 5.000 euros.
Há 2 anos atrás houve uma iniciativa parecida pelo Sporting Clube de Portugal. Queriam uma mascote, baseada no leão obviamente, para o merchandising dos putos.
Não sou Sportinguista, não, mas para ganhar umas boas coroas, sou capaz de vender a alma ao diabo. Fiz alguns esboços, mas sentia que seria um esforço inútil. Ao fim ao cabo o Sporting é um clube com algum prestígio e com alguns bons milhares adeptos. Logo, nunca na vida teria hipóteses, pensava eu, de ganhar aquilo. Qual não foi o meu espanto, quando vi a mascote que tinha ganho. A malta da Alvalade tem um gosto duvidoso (Alvalade XXI), mas tão mau não podia ser. Falta de concorrentes parecia me a explicação mais lógica.
Quando soube que ia haver um concurso pelo Oceanário, senti que era uma oportunidade a não perder. Nada podia falhar desta vez e ofereci sociedade ao Govic, um designer que trata o grafismo por tu. Tínhamos pouco tempo, apenas um mês e tivemos alguns contratempos.
Houve 138 propostas. Portugal é além do país dos descobrimentos, do Vinho de Porto, do fado, das sardinhas e dos elefantes brancos; a pátria dos criadores de mascotes. É bom saber que, quando tudo estiver nas mãos dos Espanhóis e em cada esquina houver uma loja Chinesa, sempre vamos poder exportar mascotes para este mundo fora.
Bom, mas voltando ao Subi…o pequeno nem ficou entre os 43 melhores mascotes, logo não estará presente na exibição das melhores propostas. Eu disse ao meu sócio, que não devíamos desistir: o Van Gogh também nunca vendeu uma só pintura na vida e olha agora...
A verdade é que, o Subi nunca será utilizado para nada.
O pequeno submarino morreu na praia.

25.11.05

Have a nice rest, Best

O mítico jogador e bebedor George Best deixou nós hoje.
Jogou com a camisola de Manchester United entre 1963 e 1974, e ganhou com esta equipa a liga inglesa em 65 e em 67 e a Taças dos campeões europeus em 1968. Foi jogador Europeu do ano e Jogador do ano pela Associação de Escritores de Futebol no mesmo ano.
Para os diabos Vermelhos marcou 466 jogos, 178 golos. Números de facto incríveis, sabendo que ele normalmente jogava lateral e não como ponta de lança.
Pena foi que o Best nasceu em Belfast. Como a selecção de Irlanda do Norte sempre foi uma selecção fraquinho, nunca pisou o relvado de um só Mundial.
George Best foi de certa maneira um David Beckham avant la lettre. Com o seu longo cabelo e barba, muitas vezes foi apelido de quinto “Beatle”. De facto viveu como uma estrela de rock. Andava num Jaguar branco, era dono de vários pronto-a-vestir e de um nightclub; e erá idolatrado pelo sexo fraco (no seu auge, recebia 1.000 cartas por semana). Mas também deu cabo da sua própria carreira de futebol, bebeu até morrer, andou imensas vezes em lutas nos bares e com a policia, teve vários acidentes por conduzir embriagado, passou algumas vezes pela cadeia, entrou por 2 vezes em falência, and last but not least, batia nas suas esposas e namoradas. Mesmo depois do transplante de fígado continuou a beber 6 litros de vinho por dia, mesmo depois de os médicos dizer que isso lhe ia ser fatal. "In 1969 I gave up women and alcohol - it was the worst 20 minutes of my life", disse uma vez.
Como único britânico, figura na lista onde também constam outras figuras míticas tais como: Di Stéfano, Pelé, Cruijff, Platini, Eusebio, Puskas, Maradona, Beckenbauer e Eusebio.
George Best jogou muitos jogos mágicos, mas para os conhecedores o seu maior jogo foi contra o Benfica no Estádio da Luz. Nesse dia o Benfica perdeu, mas os 75.000 adeptos tiveram a sorte de poder assistir a maior actuação de sempre de uma lenda de futebol.
Thank you George.

Separados à Nascença



George Best - Futebolista, que nos deixou e foi para o relvado do céu!
Terence Stamp - Actor, que por não saber da sua afinidade com Best, surge diante desta foto, com uma camisa de ganga clarinha.

22.11.05

O Mito do Pai Natal Desvendado II

A televisão Holandesa transmite anualmente com meios impressionantes (até se utiliza helicópteros) a chegada do São Nicolau e os seus ajudantes ao país. Ele vem todos os anos, por esta altura, de Espanha (onde é a sua casa) com o seu barco a vapor e ancora num porto sempre diferente. Vestido com seu fato de bispo a rigor, ele entra na cidade num cavalo branco, acompanhado por polícias motorizados e uma orquestra filarmónica. Nas ruas, onde estão milhares de pessoas à sua espera, ele prossegue até a câmara municipal onde será recebido pelo presidente.
Durante o mês de Novembro por toda a Holanda e na metade de Bélgica onde se fala também Neerlandês, há desfiles do São Nicolau. O Santo Homem e os seus ajudantes, os Zwarte Pieten, (trad. Pedros Pretos) não se cansam e visitam, durante esse período; escolas, hospitais, lojas e mesmo casas. As padarias fazem bolos e pastéis típicos, que as crianças saboreiam juntamente com leite com chocolate quente. Nesta altura, as crianças também põem o sapato ao pé da lareira com a sua lista de pedidos e uma cenoura ou um cubinho de açúcar para o cavalo do Santo. As vezes durante esse período, ai podem encontrar no dia seguinte bolachinhas com açúcar, moedas de chocolate ou mesmo letras de chocolate. Toda a gente anseia por doces e não por carvão ou sal, como também pode acontecer se alguém se portou mal. Há também uma imensidão de cantigas, que são cantadas com muito fervor quando o Santo Nicolau visita um lugar. O seu ajudante traz consigo um grande livro, que o bispo consulta para saber mais sobre cada criança (obviamente os pormenores sobre cada criança forma anteriormente dados pelos pais ou professores).
O grande dia é o 6 de Dezembro, nesse dia as crianças encontram as prendas ao pé da lareira e as escolas organizam uma festa. Há gente que não gosta da figura do Zwarte Piet, porque vêem nisso uma certa forma de escravatura. A lenda não diz bem, se é um homem de origem Africana ou se ficou escuro de descer e subir chaminés. O facto é que são sempre pessoas brancas com a cara pintada de preto que interpretam esta personagem.
Como em qualquer lado neste mundo, a cultura Americana está a tentar vencer a tradicional. Também nos Países Baixos, o Pai Natal começou a fazer a sua ofensiva. Mas tanto na Holanda, como na Bélgica há comités que lutam arduamente contra isso, para tentar salvaguardar o Nicolau. Yankee, go home!


"Zie ginds komt de stoomboot uit Spanje weer aan.
Hij brengt ons Sint Nicolaas; ik zie hem al staan.
Hoe huppelt zijn paardje het dek op en neer,
hoe waaien de wimpels al heen en al weer.
Zijn knecht staat te lachen en roept ons reeds toe.
Wie zoet is, krijgt lekkers, wie stout is, de roe.
O lieve Sint Nicolaas, och kom ook bij mij
en rijd toch niet stilletjes ons huisje voorbij."

18.11.05

A Gloriosa Chaga da T-Shirt GM (Pt.4)

Muitos leitores ter-se-ão questionado porque é que o Tiago nunca mais apareceu para contar o final da saga da T-Shirt GM. A resposta poderá ser encontrada no capítulo final da mesma saga, que passo a narrar a partir deste neste momento.
Estava então Tiago a espiar Manuel Trancoso, na sala de provas, quando tropeçou e tudo à sua volta caíu. Ao ser apanhado por MT, Tiago pergunta-lhe "Não sou suficientemente bom para ti, é?". MT desabotoa a camisa verde alface, despe as calças, tira as botas da tropa cor-de-rosa choque, sem nunca tirar os seus olhos de Tiago que entretanto desmaiara e caíra no chão.
Dezoito horas depois, Tiago foi encontado por dois caçadores, a deambular no meio de um terreno baldio no meio de nenhures, e para o espanto dos mesmos tinha apenas vestida a sua fiel T-Shirt GM e parecia meio apanhado das costas.
E é assim a vida, o Tiago nunca mais falou com ninguém e vive fechado em casa, sonhando com dias melhores.

"Foi este meu bóbi que encontrou o rapazola, com a camiseta abonecada, e é claro que eu e aqui o meu amigo Zé Sarrabulho fomos a ver dele, e 'tratámezeo' logo" . - Declarou Tó Fintas, um dos caçadores que encontrou Tiago.

O Meu Livro

Um dos meus objectivos de vida mais imediato é escrever um livro. Depois, como é da praxe, será ter uma árvore e plantar um filho. E já há muito que decidi a temática do referido livro. Basicamente, será um exaustivo compêndio que abarcará uma parafernália de palavras, expressões (tanto em português, como em estrangeiro), e até alguns numerais, que, quando inseridas no Google, na secção imagens, nos permitem dar de caras com um par de mamas. Independentemente da palavra ou expressão que se encontre neste meu projecto de manual, para o qual tenho vindo exaustivamente a recolher material, é garantido que, na primeira página, encontrarão umas mamas.

Não se assegura que as ditas sejam do agrado de todo e qualquer leitor. Existirão uns exemplares grotescamente fartos e outros absurdamente mirrados. E, embora uma linha orientadora religiosamente predefinida vá tornar o livro sobretudo num harmonioso apanhado de palavras e expressões que permitem a visualização de seios variando do volume médio até ao grotescamente farto, haverá também uma ampla secção que fará as delícias desse estranho ser que é o homem que gosta mais de ameixas que de melões. Como é óbvio, também não se assegura que os ditos exemplares estejam ‘ao léu’, mas posso adiantar que, mesmo neste quadrante, se registarão algumas surpresas.

Acredito, sinceramente, que o sucesso de vendas seja suficiente para, junto de uma qualquer editora, justificar o lançamento de outros dois livros que tenho em agenda: ainda dentro da mesma dinâmica, um dedicado a rabos, e um outro consagrado àquilo que os anglo-saxões conhecem como ‘camel toe’. E, assim espero, esta minha celebração da tríade mágica que alguns identificam como CCM, será uma realidade. Só para aguçar os apetites, e fazendo então a primeira acção de promoção a este meu futuro livro, despeço-me com algumas das muitas palavras/expressões que poderão encontrar no dito manual, e que, então, mais não fazem que expor mamas no Google, secção de imagens:

Chosen One, Doll, Saldos, Cão, Omertá, Soares, 360, Careca, Inferno, Ketchup, Charlie Sheen, Pinheiro, Quem é?, Salazar, Xiça, Cigarro, ‘Vêze-o?’ (Nota do Autor: que é como algumas pessoas dizem ‘vê-lo?’), Xexé, Agora Não Posso, Martelo, Bola ao ar, Coerência.

17.11.05

O Mundo Civilizado

Mandei no outro dia, uma carta de solicitação espontânea por e-mail. Assim, sem mais nem menos, ofereci-me para trabalhar para uma empresa. Tal como milhares de outras pessoas neste país, ando há já algum tempo a procura de um emprego melhor (leia-se mais bem pago.) Já devo ter mandado pelo menos uns 1000 currículos desde que deixei de estudar e posso afirmar que já tenho uma vasta experiência nessa matéria. Como tal, não estava a espera de resposta, porque era para uma empresa de um ramo do qual não tenho conhecimentos nenhuns. Quem é que se dá o trabalho de responder à solicitações espontâneas? Pareçe-me mais fácil neste pais ganhar o euro milhões….
Qual não foi o meu espanto quando no dia a seguir, logo de manhã, já tinha um e-mail na minha caixa de correio electrónico. Obviamente não era para me oferecer trabalho, milagres só em Fátima, mas tinha uma pequena nota de agradecimento e de apoio.
Comoveu-me. Essa enorme multinacional deu-se ao trabalho de me agradecer a mim, um meia-leca qualquer num pequeno país chamado Portugal. Mas porquê?
Porque a dita empresa não era nacional, mas sim estrangeira. Pelos vistos lá fora, as pessoas que se esforçam a procurar trabalho (já gastei uma pequena fortuna em papel, tinta, selos e CD´s) são tratados como seres humanos.
O que é preciso, é uma cruzada de empresas lá do norte contra esses bárbaros infiéis que há por cá. Mostrar-lhes e ensinar-lhes as boas maneiras do mundo civilizado. Como vitalizar a economia Portuguesa, criando novos postos de emprego também seria uma boa lição!

"Vinde nobres estrangeiros! Pela A1 é sempre a descer, não há que enganar!"

11.11.05

Grande Concurso de Natal GM

O espírito natalício contaminou a redacção do GM, e por isso, resolvemos organizar um grande concurso onde se pode ganhar, - nem mais, nem menos- uma fantástica camisete (leia-se t-shirt) GM!
Pensámos que faria sentido, Portugal livrar-se do Pai Natal e optar, orgulhosamente, por uma verdadeira figura Portuguesa.
Para participarem, têm de enviar-nos o nome de uma figura e a lenda que está por trás. Já tivemos algumas ideias aqui na redacção, que vamos dar como exemplo:
- D. Sebastião, o menino-rei que na eterna procura do caminho para o seu país passa pelas casas das pessoas e oferece cabeças de mouros aos meninos que se portaram bem, e nevoeiro ao que se portaram mal. É um messianismo ligado ao espírito do Natal.
- Cavaco: vai até ao congresso da Figueira no seu citro BX, fazer a rodagem e distribui prendas às crianças, compradas com subsídios da C.E.E. É também um messianismo ligado ao espírito do Natal.
- Soares: esbanja o dinheiro do contrabando de pedras valiosas, oferecendo prendas aos meninos que dizem que ele "ainda é fixe". Sabe andar de elefante.
- Salazar: não dá nada, mas leve os meninos maus em passeios a Peniche e ao Ultramar.
- Sá Carneiro: vem de avião trazer prendas aos meninos pobres de Camarate, directamente nas suas chaminés.
P.S.: Podem enviar propostas até o dia 30, que serão depois, votadas aqui no GM, numa eleição online. Bom trabalho!

9.11.05

O Mito do Pai Natal Desvendado I

Se em Portugal e nos Estados Unidos há o Pai Natal, em outros países há outras figuras natalícias. Como por exemplo, na Itália onde temos a tradição de "la Befana". A lenda de “La Befana” conta-nos o seguinte. Os três reis (Belchior, Baltasar e Gaspar) estavam a seguir a estrela que lhes ia indicar a Santa Criança. Cansados bateram à porta de uma pequena cabana, onde uma velhota lhes abriu a porta e lhes deu algo refrescante para beber.
Contaram a velhota sobre a sua missão e perguntaram-lhe se queria vir também. Ela retorquio que estava cansada e que tinha demasiado afazeres. Depois dos três reis terem partido, ela teve uma epifania, ou seja uma visão, do menino Jesus (epifania é outro nome da festa do dia 6 de Janeiro, a dos três reis). Teve remorsos por não ter ido com os reis, juntou umas prendas e resolveu procurar a criança. Até hoje continua a procura e como tal, passa em todas as casa onde há crianças.
O nome dela, “La Befana”, vem da palavra grega epiphaneia (manifestação, revelação) e passado muitos tempo, perdeu-se o “f” e o “i”.
É uma tradição muita antiga e que já existe, pelo menos, desde o século XIII. Na noite do 5 para o 6 de Janeiro, as crianças penduram meias, deixam uma tangerina e um copo de vinho ao pé da lareira para “La Befana”, que voa na sua vassoura. No dia a seguir, a bruxa deixou ao lado do copo vazio, a casca da tangerina. A criançada que se portou bem encontrará na meia, doces, e aqueles que se portaram mal: carvão, alho ou cebola.
Sabe-se também, que "La Befana" quando era nova, era uma tipa bem jeitosa. Ainda nos nossos dias, há homens que dizem: “Comia agora uma bela bifana!”


La Befana vien di notte
con le scarpe tutte rotte
col cappello alla roman
viva viva la Befana!

Só Estou Bem Aonde Não Estou II

CRÓNICAS DE ERASMUS

O dia 20 de Fevereiro de 1993 marca o príncipio do fim... de quê? Da sanidade mental de qualquer pessoa que, como eu, aprecia (e muito) as suas duas a três horas de televisão diária. Nesse negro dia de 1993 nascia a TVI... Já tinhamos a SIC e os primeiros tempos dessa estação não tinham prometido muito (uns concursos manhosos e um ou outro filme). Era natural que a primeira emissão de um canal que se anunciava como predominantemente católico também não nos entusiasmasse muito... e menos entusiasmados ficámos com as primeiras aberrações transmitidas pelo dito canal ( uma tal de Olga era considerada amiga dos portugueses, vá-se lá saber porquê!).

Com o passar dos anos a coisa foi-se compondo... E compôs-se de tal maneira que, a certa altura, pus a hiótese de me reconverter ao catolicismo! Especialmente durante os breves meses em que os filmes da TVI passavam sem intervalo. Era quase maravilhoso (quase porque se um gajo não calculava bem as coisas corria o risco de ter que se levantar a meio do filme para ir buscr outro pacote de amendoins ou para ir à dispensa buscar mais uma garrafa de Coca-Cola)! Aquilo funcionava bem, havia uma harmonia entre os espectadores e os programadores como nunca antes tinha havido (excepto quando a RTP tinha os direitos sobre os europeus e os mundiais de futebol e transmitia todos os jogos – isso é que era empatia!). Mas como tudo o que é bom tem que ser fodido pela televisão (até fizeram uma série de televisão a partir do Tremors), começaram os intervalos. A príncipio, para a malta não desconfiar, era só um intervalo, não muito longo. Depois passou a dois menos longos. A terceira fase consistia em quatro intervalos (como popularizado pela RTP), todos com uma duração muito curta. E foram fazendo os seus reajustes até chegarem aos pornográficos intervalos que todos conhecemos.

Por certo já todos pensámos, pelo menos uma ou duas vezes, sobre o que é possível fazer durante um intervalo da TVI... Eu fartava-me de pensar! Até que um dia me cansei e passei à prática – fiz uma tradução de Horácio (não estou a gozar – aquilo no liceu era muito exigente)... A partir daí foi sempre a somar: composições de inglês, composições de francês, exercícios de informática e até cheguei a estudar para um teste de Expressão Dramática (parece mais sério do que dizer “estudei para teatro”) sobre máscaras (o tédio era total!). As coisas foram-se agravando até chegarem ao cumúlo de se poder fazer um jantar (e jantar) num só intervalo. Conheço pessoas que fizeram (ou estão a fazer) teses durante os intervalos da TVI. A coisa ficou tão séria ao ponto de, muitas vezes, me esquecer de que estou a ver, por exemplo, o Karaté Kid 4 (que toda a gente sabe ser a prequela do Million Dollar Baby). É claro que se pode perguntar: “porque é que o gajo não arranja TVcabo?” Primeiro porque quando estava no liceu não havia TVCabo. E em Lisboa não há Tvcabo na zona em que a minha casa está instalada, evidentemente! E mesmo que houvesse, que canal da cabo passa o Rambo II? Teria sempre que lidar com a TVI e com os seus intervalos. O ideal seria o sistema dos Morangos com Açucar: um relógio em contagem decrescente para o fim do intervalo. Assim, quando começasse um intervalo, o relógio poderia evoluir eloquentemente desde os 45 minutos até à contagem decrescente (entoada por toda a familia) dos últimos segundos... depois poder-se-ia exclamar em uníssono: “Ah! Afinal estávamos a ver o Sozinho em casa 3!” E naturalmente que alguém responderia: “Epá, ia jurar que era o 4!”

Na Irlanda a coisa funciona com intervalos de quinze em quinze minutos, geralmente bastante curtos. Não é o melhor sistema, especialmente para filmes, mas pelo menos sempre me vou lembrando do que estou a ver. O curioso aconteceu quando estava muito entretido a ver o True Lies e a meio do primeiro intervalo começa o telejornal. Não a síntese das notícias, não um compacto, mas o verdadeiro telejornal de três quartos de hora, com direito a resumos do campeonato inglês e tudo (do mal o menos!)... Isto não foi novidade para mim – a TVI já o tinha feito, embora nunca tivessem ido tão longe ao ponto de darem o Jornal da Noite num intervalo. Mas se a moda pega, em breve teremos a Manuela Moura Guedes a falar sob um relógio a fazer a lenta contagem decrescente para a segunda parte dos Morangos com Açucar, a famosa parte onde se podem ver duas cenas nunca vistas...

8.11.05

Pombalhada


Por defeito, gosto de animais. Mas cada vez me é mais difícil incluir os pombos em tão nobre categoria. Parece que agora até são imunes à gripe das aves. Pois, é natural, tendo em conta que são ratos, ainda que alados, parece-me bastante natural que o espirro de uma gaivota ou de uma arara não lhes faça grande mossa. Além disso, é óbvio que os pombos são imunes à gripe das aves. A sífilis também é imune ao escorbuto, por exemplo. É tudo pão do mesmo saco. Nunca vi uma doença infectada com outra doença. Logo, é claro que a gripe das aves passa ao lado dos pombos. Se calhar até se cumprimentam.

Mas fosse só isso que distingue os pombos de outras espécies animais! A sua destreza na arte de voar é de tal ordem que mais parece que as asas só lhe são apresentadas no exacto momento em que levantam voo. Portanto, quem vê um pombo a voar na sua direcção, na única forma que pelos vistos conseguem fazê-lo – destrambelhadamente, claro –, e pensa ‘oh, é óbvio que este pássaro com olhar lunático se vai desviar da minha cabeça’, comete um erro crasso. O efeito desse equívoco: levar com um pássaro nas trombas, e ainda por cima um que parece perder toda a penugem poluída que o reveste sempre que é desviado da sua caótica marcha. Além de ficar com a boca cheia de penas, ainda vai ficar com toda a gente a olhar de lado, porque, afinal de contas, vai parecer que, apesar de apessoado e de transportar uma mala de cabedal com papéis importantes lá dentro, estava a tentar comer um pombo em plena Rua Augusta. Só no tempo dos castelos é que isso de comer pombos vivos era socialmente aceite e até, em certa medida, incentivado. Agora já não. Os pulhas.

Depois, não se pode ir a comer uma merenda ou uma bucha que deixe migalhas. É que os pombos têm um radar qualquer para atacar qualquer resquício alimentar (sobretudo panificado) antes que atinja o chão. Isto pode parecer coisa pouca, mas experimentem ser alguém que viu o ‘Pássaros’ do Hitchcock quando era puto – tendo ficado deveras impressionado com a malvadez de centenas de pequenos bicos organizados –, e depois ver-se rodeado de milhares de pombos só porque deixou cair uma rodela de salpicão da sandes que enfardava. Não é o meu caso, mas tenho um amigo que entra em pânico com isto.

Além de bocados de comida que caiem das mãos ou das bocas de pessoas que merendam em andamento, e, claro, além de comerem aquele pão com três semanas que alguns velhos malucos insistem em oferecer, os pombos comem outras preciosidades. Não são rapazes esquisitos, e até eu, que já vi um porco comer um capacete, fico admirado com a variedade que caracteriza o regime alimentar destes columbídeos. Já vi um a penicar nos restos do Gambrinus – um dos poucos restaurantes em que o preço estipulado para uma malga de sopa chega para pagar 1/3 da minha renda –, para, segundos depois, ir sorver o vomitado de um bêbado que ainda por lá dormia. A refeição terminou com uma espécie de digestivo, bastante popular entre a pombalhada, chamado ‘beata de cigarro’. Aliás, se atentarmos na dieta destes fascinantes seres, a cor e a liquidez dos desperdícios com que, desde os céus, brindam pessoas de fato, estátuas e carros, já não parece tão inexplicável.

Em Lisboa, há mais pombos que pessoas. Poça, se calhar o número de pombos até ultrapassa a média diária de vezes que, no metro, se desvia o olhar da velhota que sofre em pé a implorar em silêncio pelo lugar que ocupamos sem dó nem piedade! Mas o que mais me intriga em relação a estas ratazanas dos céus é que, bem vistas as coisas, os pombos até acabam por ser o equivalente, em pássaro, daqueles gajos labregos das motas que, já com a tropa feita, iam à secundária meter-se com as raparigas giras da nossa escola. Também os pombos, apesar de serem uns maltrapilhos com penas cinzentas e pretas, acabam por sacar as pombas, que são imaculadas, brancas, bonitas e símbolo de uma carrada de coisas bondosas. São as gajas boas da passarada. É assim a vida.